Monday, March 12, 2007

 

Concorrência à vista?

Desde há uma semana que o país se agita com a questão da concentração de poder policial na mão do PM ("o país" é, obviamente, um exagero poético). João Gonçalves inicou as hostilidades aqui (moneyquote: «Só falta a marca da cueca e a orientação sexual, mas lá chegaremos»); Francisco José Viegas prosseguiu desta forma «Ah, Todo Poderoso - Eu tinha insistido: está aí o cartão único, depois vem o cruzamento de dados, depois vem a vigilância alimentar, o controle do nosso tabaco, a suspeita sobre a nossa saúde, a inveja dos vizinhos, o controle do peso, os procedimentos administrativos sobre a obesidade e a vida saudável. Que era um exagerado. Que ninguém ia cruzar dados. Que não havia acesso. Pois aqui está demonstrado, pelo João Gonçalves. E não, não é por causa de José Sócrates; não é por causa deste primeiro-ministro. É por causa dele, do Todo Poderoso, do Estado-Todo-Poderoso. E da gente que por lá anda.»

Vasco Pulido Valente, de quem FJV havia recomendado este texto, aborda o assunto no Público de Sábado, em artigo intitulado "O Estado Policial":
«
Não se trata aqui do indivíduo Sócrates, que não abusará dos seus poderes. Mas da própria existência desses poderes, que nada impede um sucessor, ou mesmo um ajudante obscuro, de eventualmente desviar para fins perversos. Só que nessa altura será tarde para desfazer a máquina que hoje com tanta inconsciência e sem protesto público se anda a pôr em pé. Claro que vivemos num mundo perigoso e é preciso coordenar as polícias. Sucede que das várias formas de coordenação o Governo escolheu a pior: a que mais reforça (e compromete) o chefe do Executivo, a que não inclui um droit de regard do Parlamento e a que deixa os portugueses sem defesa perante a prepotência e o arbítrio. O que de resto não espanta. A liberdade nunca foi por aqui muito estimada.»

Rui Cerdeira Branco afirma, perante a versão inglesa da coisa, que
«Pessoalmente o que vejo é que se estão a passar todas as marcas. Mais uma grande vitória para o terror e para todos os amantes do totalitarismo que, na penumbra, esfregam as mãos perante o futuro vindouro que se está a preparar para lhes ser servido de bandeja. Tudo o que vejo é absolutamente desproporcionado e contém em si um outro potencial de receio, de terror que temos a obrigação de conseguir antecipar

O Helder deixa neste post um óptimo resumo do que se foi publicando sobre o assunto. E nos diários de hoje, pelo menos Rui Tavares e Joana Amaral Dias também opinam, em tom crítico, sobre o tema.

Existem razões para isso? Devem os amantes do conhecimento inútil partilhar das preocupações da opinião publicada? Deverão os amantes de Quiz ficar igualmente alarmados? A primeira tentação é responder que sim. Conjugam-se, para isso, dois factores: a crescente popularidade desta modalidade, com equipas novas a aparecerem como cogumelos, o que tem provocado violenta polémica sobre a instituição de sistemas de acesso (com o embate entre antiguidade e mérito desportivo), e, com isso, o facto de o Quiz ser, por excelência, o jogo do conhecimento.

Ora, consideremos esta hipótese: e se surge no QdC uma equipa made in São Bento? Afinal, elas nascem como cogumelos, e aquilo até é terreno pantanoso. Ora, o acesso a esta vasta rede de informação poderá trazer vantagens enormes a essa potencial equipa. Não só enormes, como absolutamente injustas, visto que está instituído um monopólio. Assiter-se-ia a uma luta com armas desiguais, prevertendo a verdade desportiva que nos é tão cara.

Mas uma análise mais ponderada obriga-nos a uma reflexão importante: os jogos de QdC servem para testar quanto abarcamos desse maravilhoso produto da civilização humana que é o conhecimento inútil. Mas com um particular: por tradição e regra consuetudinária, aquilo que é testado é o interminável conjunto de factos que, em maior ou menor grau, estão acessíveis ao conhecimento público. Conhecimento à distância de um clique no google ou um braço lançado para a enciclopédia (mesmo quando o Pascoalinho faz perguntas sobre o significado de palavras que só aparecem em dicionários ingleses de termos excêntricos do século XVIII). A chamada cultura geral - geral porque partilhada por uma grande massa de indíviduos e acessível a todos os outros. Ora, no caso vertente, está em causa outro tipo de conhecimento inútil: estamos a falar de dados pessoais e privados. Ou seja, enquanto os organizadores não começarem a perguntar coisas como "Que equipa tem dois elementos em tratamento por doenças infecto-contagiosas?" ou "Nesta sala, quem é que tem os impostos em atraso?", não se vê que a nova organização policial do estado português represente algum perigo, venham as equipas que vierem. A igualdade à partida estará, assim, garantida. Aliás, esta operação até poderá fazer desenvolver o gosto pelos jogos de perguntas e respostas. Imaginemos alguns burocratas numa repartição da função pública: "Epá, adivinhem lá que director-geral and a dizer mal do ministro à mulher?", "Sabes que deputado de oposição andou num programa de metadona há uns anos?" - desenvolvendo assim um salutar e entusiástico gosto por este magnífico desporto. É então nosso parecer que o alarmismo corrente é francamente despropositado e que esta legislação pode representar um forte incentivo a esta modalidade.

Foto: Auto-intitulado Animal Feroz que quer saber mais que nós, Lusa

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Comments:
lolol Amanhã vais preso. Se fosse a ti, hoje não ia dormir a casa.
 
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