Sunday, June 24, 2007

 

A fábula do quiz

Era uma vez uma época em que o mundo se regia por princípios de equilíbrio e justiça. Uma época em que se já houvesse futebol, o Belenenses seria campeão regularmente, não existiriam pombos em Lisboa e a TVI passaria apenas missa ininterruptamente. Mas, não havendo nada disso, no entanto havia já quiz e nesta fábula se irão explicam alguns dos mistérios e das contingências que envolvem o panorama actual desta modalidade.
Os deuses, no intervalo de jogarem Mikado e fulminarem mortais, gostavam de exercitar as suas mentes, até mesmo os mais burros, sim porque a divindade não é sinónimo de inteligência. Para tal, recorriam aos misteres de Julius de Quizzonte, um semi-deus muito reverenciado à época e que explorava um templo muito em voga no equivalente à noite da altura.
Durante tempos incontáveis, Julius foi aperfeiçoando a arte de quiz, com a fleuma e sapiência necessária para que os deuses saissem satisfeitos, mas ao mesmo tempo se sentissem desafiados. Ninguém sabia bem a fórmula mágica para a harmonia, nem ninguém se preocupou em saber, nem mesmo quando Julius abusava do hidromel aditivado, pois só Julius tinha o dom de tornar sublime um quiz.
Contudo, sendo apenas um semi-deus, ainda por cima com uma vida nocturna extremamente activa, Julius estava sujeito às leis da mortalidade e chegou o dia em que o Pai Tempo lhe apareceu num sonho e disse “Vai chegando a tua hora Julius. Tens 30 Eládios (o equivalente a dias na altura) para cortar amarras da vida terrena, antes de partires para Monte Gordo, onde passarás a eternidade. Actua com saber e torna teu nome fonte de vida, mesmo depois da tua morte”.
Despindo-se da amargura que tal aviso poderia ter trazido, Julius, grato pela longa vida que tinha tido, chamou Dona Paulias, sua companheira de longa data e disse-lhe: “Usarei 27 Eládios para me despedir de todos aqueles que contribuíram para esta longa jornada. Guardarei dois para ti, pois as bhifanias que me preparaste desde que nos conhecemos assim o exigem e no último Eládio, transmitirei aos meus dois filhos a essência do Quiz, para que nele viva o meu espírito, mesmo depois do meu corpo já não estar presente”.
Assim foi, e durante esse tempo não faltou um Deus à sua despedida com Julius, uns deles descobrindo pela primeira vez o que era chorar, outros ainda com rectificações sobre quem tinha de facto vencido a Taça de Hércules na época anterior ou corrigindo o fabricante oficial dos pneus na carruagem de Apolo. Quando já só tinha no seu sopro de vida um Eládio, Julius pediu para chamarem os seus dois filhos, já que as forças o abandonavam e estava remetido ao seu leito.
Philosoffius e Scientia eram os seus nomes e se partilhavam infinitamente o amor que tinham pelo pai, não podiam ser mais distintos no seu ser. Por exemplo, ao contemplarem um quadro de Afrodite na revista MaxGod, Phil, como era chamado pelos amigos via ali um elogio da beleza, uma transcendência do terreno ao divino, de uma obra de fé que sublimava tudo o que existia, inpirava odes e lhe fazia um calor estranho no peito. Já Scientia, que achava diminutivos coisa apalermada, queria descobrir os factores e materiais que tornavam possível tal representação pictórica, Descobrir a fórmula certa, quer para tornar a representação de Afrodite óptima, quer o cálculo necessário para determinar a hora exacta a que as cores da mesma poderiam ser observadas na plenitude. Além disso, preocupava-o que as cores de Afrodite indiciassem uma exposição à radiação pouco natural. Mas, também descortinava o facto de ser uma gaja bem boa, coisa que não havia na academia onde explorava o seu desejo de saber. E era assim a vivência dos dois irmãos, destinados a ver uma e a mesma coisa de forma distinta, como duas faces de uma moeda que nunca se encontram, mas são parte do mesmo.
Julius conhecia os seus filhos melhor que ninguém e suas últimas palavras reflectiram isso mesmo:
- Filhos, chegado ao meu último Eládio convosco, sabeis que há algo que não pode ficar por dizer...
- Meu pai...-interrompeu Phil – fui eu que dizimei aquela mortal, o seu site anamalhoa.net era uma ofensa à arte e ao bom gosto...
- Sim, eu sei filho, mas não é isso – abreviou Julius – Quero dar continuidade aquele que considero o meu terceiro filho, o Quiz. Algo que já é tão imortal como os deuses e assim deverá continuar.
- Claro meu pai – sorriu Scientia – tal decisão é lógica e cientificamente inatacável. Irás partilhar o teu segredo connosco ou escolherás apenas um de nós para prosseguir o teu mister?
- Pensei muito meus filhos – disse Julius, enquanto a sombra se instalava no seu olhar – e não há forma sã de o fazer. Escolher um de vós o meu coração não deixa, passar aos dois um segredo, meu raciocínio não o permite. Sois tão diferentes que se viesse um Mantorras (o equivalente a um comboio na altura) na vossa direcção, tu Phil discorrerias sobre o efeito da modernidade na sociedade ou sobre o facto de por mais velozes que sejamos, nunca alcançaremos a beleza de um raio de Sol, ao passo que tu Scientia calcularias com precisão a velocidade e tempo que o Mantorras levaria a chegar até vós, enquanto enunciarias os princípios da combustão que lhe permitem vencer a inércia. No entanto, nenhum de vós se lembraria de se desviar da porra do Mantorras.
Phil e Scientia procuraram retorquir, sem no entanto conseguir esboçar palavras. O curare que Dona Paulia colocou nas suas bebidas, antecipando algum descontrolo, também ajudou.
- Por isso, chegada a hora da minha partida – avançou Julius – não será nenhum de vós, nem sequer ambos a deter o segredo do quiz perfeito. Deixá-lo-ei impregnado em algo tão imortal como os deuses e ao qual vocês, os vossos filhos e por aí em diante poderão ter acesso, mas sempre de forma breve e efémera, para que não julguem poder ser donos da razão.
- Diz-nos em quê meu Pai, para que possamos beber o cálice da tua sabedoria, nem que seja por um instante – exclamaram os dois filhos em uníssono.
- Nunca o poderão beber – foram as últimas palavras de Julius – porque é nas Bhifanias que estará a concórdia e a essência da perfeição do quiz.
E assim foi, que a partir daí, Philosoffius e Scientia continuaram a ter do mundo e de todas as coisas uma perspectiva diferente, tornando com o tempo os seus quizzes um reflexo da sua própria essência.
Mas tal não provocou a ira dos Deuses, embora cada qual tivesse o seu preferido e usasse a Deusosfera para proclamar isso mesmo aos quatro ventos. Pois enquanto não faltassem as Bhifanias da concórdia de Dona Paulias, tudo pareceria perfeito, nem que fosse só até começar a digestão.
Escusado será dizer que, depois dos deuses, por vezes há quizzes que parecem não haver bifana que os salve, mas há que acreditar...


PS – De facto, era para publicar isto na 6ª, mas tamanho testamento retirou-me eládios de vida. Sim, é verdade, eles vivem.

Comments:
Muito bom este texto! Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência!
Só falta acrescentar que os irmãos eram siameses e estavam ligados até que uma intervenção cirúrgica, conduzida com êxito por Asclépio, os separou definitivamente.
Bem tenho de ir que amanhã tenho um eládio lixado e o clímaco não ajuda.
 
Depois disto, nunca mais terei coragem de escrever sobre quiz...
 
Caro Sergei,
Boa peça! E assim nasceu a mitologia quizistica...
Para se parecer ainda mais com as mitologias clássicas, só lhe falta mais Sexo e Traição. (Não confundir com 'sexo à traição', embora os deuses do Olimpo não fossem esquisitos...)
Saudações,
VM
 
ou há moralidade ou comem todos!... e as sapatas do índio?
 
por razoes diferendo nas verbas de patrocinio, n me foi possível chegar a acordo com qq marca de calçado para constar na verborreia.

Qt a sexo e traição, foi propositado, pois creio que isso ficou definido ser às 3as sextas-feiras de cada mês, pelo menos em termos de ver gente a ficar f....a e a sentir-se traída pelo quiz
 
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