Tuesday, April 03, 2007

 

VideoQuiz VII - A Batota



Quando, uma dia, se escrever a história do Quiz (fazer nota: projecto para o futuro), o acontecimento deste vídeo abrirá um capítulo. Quem viu o clássico Quiz Show conhece o enredo. Viviam-se os anos 50, a Greatest Generation mandava os babyboomers para os infantários, enchia a casa de electrodomésticos, liderava o mundo livre na luta contra o totalitarismo comunista e, ao serão, deixava a caixa ir mudando o dito. Prato do dia à época: os quiz shows – e, em particular, o Twenty One da NBC. A altura em que «os conteúdos de quizzes de TV andavam perto do impossível».

Certo, mas non troppo. A primeira época do Twenty One foi um absoluto fracasso: perguntas medonhamente difíceis, concorrentes rotineiramente humilhados, o auditório rapidamente enfastiado – sintoma dos tempos em que só uma vida examinada valia a pena ser vivida. O patrocinador alarma-se e os autores do programa remedeiam a coisa: baixar o nível não faria sentido e começam a encenar o concurso. Literalmente: não se limitavam a soprar umas respostas, era tudo construído do princípio ao fim - e centenas de concorrentes alinharam no teatro.


Aqui, um parêntesis: ao contrário do que se vê no filme, na realidade não existia conivência do patrocinador e, ainda menos, dos chefões da NBC (os quais nem sequer tinha conhecimento da malvadez.). A história cinematográfica do papão capitalista que, conspirando em salões enfumarados, desvirtua a ética foi só isso mesmo – uma ficção para entertenimento, na boa tradição política do socialismo made in Hollywood. Redford acabou por chamar “dramatic license” ao desvio da realidade. Ironicamente, a mesma expressão utilizada pelos autores do programa. Já agora, a batota não era exclusiva do Twenty One (e nem sequer era aí especialmente mais gravosa ou patente) - todos os outros quiz shows da altura eram, em maior ou menor grau, encenados; nem dos americanos - a versão britânica do 21 foi suspensa pelas mesmas razões. Ao resto, o filme é mais ou menos fiel: Charles Van Doren, um jovem WASP, professor universitário, ganha o lugar a Herb Stempel. O segundo vê-se obrigado a falhar uma pergunta facílima, sobre o filme que venceu o Óscar da Academia em 1955 (estava-se em 1957), que, para mais, era o seu filme preferido. Nunca perdoou a humilhação. O resto, é história (inclusive a brilhante carreira de Van Doren como editor da Enciclopédia Britânica e escritor).


De então para cá, os quiz shows recuperaram da crise, voltaram ao topo das audiências e nem Sherlock Holmes conseguiria descobrir laivos de batota- pelo menos com a cumplicidade dos autores, de concorrentes vai havendo. Ingenuidade nossa? Não, sinal dos tempos: hoje em dia as audiências não fogem às humilhações alheias. A bem dizer, nestas coisas de conhecimento, dificilmente as descortinam.

E fora dos ecrãs: nos pub quizzes, o assunto sempre foi problemático, principalmente a partir da vulgarização dos telemóveis. Em alguns bares ingleses, já se adoptaram sistemas que detectam qualquer comunicação de dados com o exterior. E, por norma, quem sai de um bar durante um quiz, não volta a entrar. No QdC, sobraram acusações na recta final do ano passado, quando as coisas aqueceram. À distância, percebe-se o óbvio: foram mais fruto de ressabiamentos que de indícios. Com os novos regulamentos, dificilmente voltarão a surgir. O formato não facilita o uso de tecnologia, o ambiente familiar desencoraja a coisa e os incentivos dificilmente seduziriam majores. Para resumir os chatos parágrafos acima, caro tresleitor, este vídeo vale a pena:




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Comments:
Isto só prova que a televisão é um meio de comunicação tão insipiente que só prende as pessoas se criar dramas artificiais sejam eles políticos, desportivos ou ficcionais. Sexo e violência à mistura com anuncios a bebidas da treta, detergentes, pensos higiénicos, bancos, comida nojenta e telemóveis. E depois chora lágrimas de crododilo com o terrorismo, tráfico de droga, gangs juvenis, claques de futebol, violência doméstica e outros males que até a ajudam a vender o seu produto.
Na década de 50 estavam apenas a começar a aprender e por isso podia-se ir com a família ao futebol(não havia grades), passear a pé e acreditar nos políticos. Ia-se bastante ao cinema e as crianças brincavam ne rua, caiam das bicicletas, e nunca iam ao psiquiatra (na hora das refeições os pais tinham tempo para conversar com os filhos). Mas aprenderam rápidamente e a sua falta de ética entranhou-se na sociedade levando a um individualismo materialista completamente doentio e altamente perigoso para os recursos do planeta. Agora nem com Kant se safam. Penso que a NET lhes vai dar a machadada final mas não devo estar cá para ver.
 
Caro Pedro: comentando o seu discurso, noto que a televisão é que está a expandir o seu modus operandi para a intercoisa. De facto, a chamada web 2.0, que supostamente assenta na elaboração colaborativa de documentos online e etc; pretende-se evoluir o que era um repositório de informação sem critério para algo mais (com feeds rss, podcasts, atom, ajax, wikis), mas a nova geração apenas conhece as inúmeras ferramentas sociais que despontam: o myspace, flickr, digg, del.icio.us, Second Life, etc.

Como na televisão, passa-se da informação para a socialização; o lado positivo? Mantém-se a curva de Gauss, mas em vez dos guetos do horário plebeu vs. nobre, temos milhões de gigabites fixolas, e "apenas" milhares informativos.

Já agora, para quem não conhece:

sexylosers.com

O autor já terminou a obra, pelo que sugiro que tirem uma noite e varram todas as tiras. Se conseguirem, claro.
 
"Isto só prova que a televisão é um meio de comunicação tão insipiente que só prende as pessoas se criar dramas artificiais sejam eles políticos, desportivos ou ficcionais"

Como, quase sempre, a literatura, a poesia, o cinema ou a pintura. De todos, será a televisão que menos recorre à dramatização artificiosa.

"Mas aprenderam rápidamente e a sua falta de ética entranhou-se na sociedade levando a um individualismo materialista completamente doentio e altamente perigoso para os recursos do planeta."

A doutrina divide-se quanto ao aparecimento do individualismo (l'uomo nuovo): há quem o coloque ainda na Itália pré-renascentista do secúlo XII (como eu) ou, mais consensualmente, no sec. XVIII. O que aconteceu durante o secúlo passado, mais claramente a partir da década de 60, foi uma enorme vaga de desregração e espírito anti-autoritário. O individualismo, o reforço da autonomia pessoal, não é eticamente mau (pelo contrário, é condição necessária para a liberdade e para existência de pluralismo de concepções de vidas boas, é próprio do homem moderno); mas não é realizável num ambiente sem autoridade e/ou igualitário.

Ou seja, não procures na televisão a causa de males contemporâneos (e esses eram os anos 50 em Alvalade ou Lisboa, não no Harlem), ela é apenas um sintoma. O problema vem de trás... Ideas have consequences.
 
A sociedade livre não é uma meritocracia.

Bom link, tenho de tirar uma noite. Pride of Indiana ahahaha
 
Eu tive o cuidado de acrescentar o adjectivo materialista à palavra individualismo o que torna o conceito radicalmente diferente, uma vez que esse individualismo é uma espécie de escravatura (especialmente do tempo).
Claro que o problema vem de trás. Talvez venha da origem do Estado e da sua necessidade de controlar as mentes dos indivíduos. E que bem que a televisão fez isso nos últimos 50 anos. Muito melhor que as igrejas ou as ideologias. A televisão é adversária do verdadeiro individualismo porque uniformiza valores, atitudes, discursos. No fundo é a mãe do políticamente correcto(penso que o pai é o Estaline). Se o Salazar tivesse percebido a força da televisão ainda estávamos no Estado Novo. O Marcelo ainda tentou remediar isso mas já não foi a tempo.
Na televisão só há duas cores: preto ou branco; por mim ou contra mim; prós ou contras. É uma coisa básica. Não tem nuances. É por isso que só serve para jogos de futebol, concursos, telenovelas maniqueístas ou debates políticos a dois. Imagina um programa de Filosofia ou de poesia na televisâo. Ou mesmo de Ciência. Só dava com os Monty Python.
Quando comparas a televisão a outras artes, em função da intensidade dramática, penso que deves estar a brincar. Não acredito que penses que a Floribela está ao nível do Hamlet. O drama na literatura serve para analisar as mudanças de valores das personagens que, eventualmente, podem tambem ser nossos. Na televisão trata-se de segurar o pessoal até vir a publicidade.
 
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