Wednesday, April 04, 2007
A utilidade de saber umas coisas
Dado o pendor político de muito dos leitores e contribuintes do blog, parece-me adequado introduzir um pouco de dialética Hegeliana na coisa. Assim, ao opinanço advogado na semana passada, contraponho desta feita a utilidade da cultura geral, sem derivar para a discussão dos diversos saberes e graus de conhecimento. Aceitemos apenas que um gajo (ou gaja) que sabe umas coisas consegue impressionar ligeiramente os que não sabem essas coisas e, certamente, chocar os que não sabem coisa nenhuma. Deixo também de lado a razão, plano ou motivo psico-socio-economico-emocional por detrás do desejo de saber ou de mostrar que se sabe, bem como as consequências sociais de ser encarado como um sabichão, ostracismo versus integração, etc.
Quero apenas constatar, ipso facto, que quem sabe umas coisas passa por quem pensa umas coisas. Tal aplica-se tanto ao culturista geral como ao engenheiro/advogado/médico empedernido, receptáculo completo do estado da arte da sua ciência particular. Em ambos os casos, um estudo aturado (com a necessária mescla de memorização e análise aturada de conceitos) permite respostas imediatas que, para o mais ou menos leigo, escondem abismos intelectuais: naturalmente, assume-se que o sabedor compreende o que diz, por reacção deferencial e autoritária à ininteligência do que se ouve. Em suma, o sabichão parece um génio.
Assim, a absorção de cultura geral assume uma utilidade instantânea, ao surgir como mecanismo de compensação de eventuais falhas de, sejamos francos, inteligência. É comum, nos quizes e fora deles, encarar perguntas factuais como equivalentes a outras requerendo raciocínio, e considerar falhas de raciocínio como meros domínios menos colonizados, à moda de "sei de geografia, mas arte já não é comigo". Mas não me parece que assim seja. Embora goste de acreditar que não soçobro perante argumentos de autoridade, já me senti chocado quando equipas bem cotadas falharam perguntas tipo "guilhotina" ou trocadilhos minimal: no meu imaginário, cultura geral implicaria inteligência - e cultura geral vasta, enfim, estão a ver.
Obviamente, temos aqui uma daquelas armadilhas lógicas de primeiro-anistas universitários: A -> B não permite concluir que B -> A. Uma das óbvias vantagens reprodutivas da inteligência é a sua aplicabilidade - no passado, construir mocas mais duras para arrear nos dinossauros, esses catitas contemporâneos do homem; actualmente, adquirir conhecimentos gerais e específicos que permitam lidar com as opções e problemas modernos. Como tal, e pela curiosidade inerente à inteligência, esta implica uma cultura geral mais ou menos vasta, se o meio o permitir. Mas o recíproco não é válido: é perfeitamente possível saber muito e pensar pouco. Claro que requer uma disciplina superior e uma motivação invulgar, e conduz ao que o Fernando "Avô" tão bem sintetizou numa tirada preciosa: "saber muito sem se saber nada do que se sabe".
Se recusarmos a confusão cultura vs. inteligência, concluimos que também o quiz estabelece guetos fractais (como o Hugo decerto concordará): não só se prioritarizam os ramos do saber, útil ou não, como se dirime a inteligência como apenas mais um "tema", minimalista e acessório - faltam perguntas de filosofia e economia certamente, mas são raras as questões que apelem apenas à inteligência (com óbvia homenagem aos quizeiros de tendências mais jacobinas).
Termino com um óbvio puxar de sardinha: a antipatia generalizada às ciências ditas duras (dentro e fora do quiz) reflecte esta sovietização cultural: de facto, é mais fácil usufruir da autoridade intelectual (e agradar à autoridade social hierarquicamente superior) versando com ligeireza factóides e conclusões das ciências sociais e humanas (expressão infeliz, que o são todas), do que debater questões científicas, onde cada a priori tem um domínio de validade específico, e qualquer afirmação tem um fino crivo matemático. Isto, claro, sem negar a inteligência de quem criou e estabeleceu, por via árdua e ponderada, as teorias em qualquer dos lados da pretensa barricada.
Dada a tese e antítese, deixo ao leitor o resto.
Quero apenas constatar, ipso facto, que quem sabe umas coisas passa por quem pensa umas coisas. Tal aplica-se tanto ao culturista geral como ao engenheiro/advogado/médico empedernido, receptáculo completo do estado da arte da sua ciência particular. Em ambos os casos, um estudo aturado (com a necessária mescla de memorização e análise aturada de conceitos) permite respostas imediatas que, para o mais ou menos leigo, escondem abismos intelectuais: naturalmente, assume-se que o sabedor compreende o que diz, por reacção deferencial e autoritária à ininteligência do que se ouve. Em suma, o sabichão parece um génio.
Assim, a absorção de cultura geral assume uma utilidade instantânea, ao surgir como mecanismo de compensação de eventuais falhas de, sejamos francos, inteligência. É comum, nos quizes e fora deles, encarar perguntas factuais como equivalentes a outras requerendo raciocínio, e considerar falhas de raciocínio como meros domínios menos colonizados, à moda de "sei de geografia, mas arte já não é comigo". Mas não me parece que assim seja. Embora goste de acreditar que não soçobro perante argumentos de autoridade, já me senti chocado quando equipas bem cotadas falharam perguntas tipo "guilhotina" ou trocadilhos minimal: no meu imaginário, cultura geral implicaria inteligência - e cultura geral vasta, enfim, estão a ver.
Obviamente, temos aqui uma daquelas armadilhas lógicas de primeiro-anistas universitários: A -> B não permite concluir que B -> A. Uma das óbvias vantagens reprodutivas da inteligência é a sua aplicabilidade - no passado, construir mocas mais duras para arrear nos dinossauros, esses catitas contemporâneos do homem; actualmente, adquirir conhecimentos gerais e específicos que permitam lidar com as opções e problemas modernos. Como tal, e pela curiosidade inerente à inteligência, esta implica uma cultura geral mais ou menos vasta, se o meio o permitir. Mas o recíproco não é válido: é perfeitamente possível saber muito e pensar pouco. Claro que requer uma disciplina superior e uma motivação invulgar, e conduz ao que o Fernando "Avô" tão bem sintetizou numa tirada preciosa: "saber muito sem se saber nada do que se sabe".
Se recusarmos a confusão cultura vs. inteligência, concluimos que também o quiz estabelece guetos fractais (como o Hugo decerto concordará): não só se prioritarizam os ramos do saber, útil ou não, como se dirime a inteligência como apenas mais um "tema", minimalista e acessório - faltam perguntas de filosofia e economia certamente, mas são raras as questões que apelem apenas à inteligência (com óbvia homenagem aos quizeiros de tendências mais jacobinas).
Termino com um óbvio puxar de sardinha: a antipatia generalizada às ciências ditas duras (dentro e fora do quiz) reflecte esta sovietização cultural: de facto, é mais fácil usufruir da autoridade intelectual (e agradar à autoridade social hierarquicamente superior) versando com ligeireza factóides e conclusões das ciências sociais e humanas (expressão infeliz, que o são todas), do que debater questões científicas, onde cada a priori tem um domínio de validade específico, e qualquer afirmação tem um fino crivo matemático. Isto, claro, sem negar a inteligência de quem criou e estabeleceu, por via árdua e ponderada, as teorias em qualquer dos lados da pretensa barricada.
Dada a tese e antítese, deixo ao leitor o resto.
Labels: Dinossauros, Hegel, labels rebuscados, Robespierre
Comments:
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Concordo, concordo, com a fractalidade e com as inferências, mas, provavelmente, não com tudo o resto. Virei comentar mais tarde.
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