Friday, March 23, 2007

 

A cretinice habilidosa

Se há tema que prezo muito é o do general dumbing down dos concursos de quiz. Da televisão, sobretudo, embora ainda não se note tanto por cá. Os EUA (o Reino Unido também) são sempre o melhor exemplo das tendências de televisão. Se nos anos 50 os conteúdos de quizzes de TV andavam perto do impossível, estreiam agora concursos em que pessoas adultas tentam provar que são mais inteligentes do que crianças com dez anos ('quanto é 5 X 2', por exemplo). Sério. É televisão e é um reflexo que não vale a pena exagerar, é certo. Mas também é verdade que nunca se promoveu tanto a estupidez como agora (é muito cool ser idiota), o que não penso ser mais preocupante que divertido. E daqui para o fenómeno do trivia é um pulo. Quase todos os artigos do wikipedia sobre cultura popular têm uma entrada de trivia, a página de trivia de filmes do imdb é um dos primeiros cliques dos utilizadores, a quantidade de sites com listas inúteis de "factos" é inacreditável. E livros. Livros de curiosidades são agora mais populares do que nunca.

De certa maneira acho mal tudo isto. Por estes meios já eu andava há muito, e muito antes de se generalizar esta coisa do conhecimento de rama. Chega mesmo a haver quem ganhe dinheiro a explicar como dissertar sobre livros que nunca se leu. Outra prática muito cá de casa, mas não de agora.

Ser uma fraude bem vista em reuniões sociais é coisa para dar trabalho. Muito trabalho parasita junto dos amigos, dos que gostam de cinema, dos que lêem livros, dos que ouvem a música nova e a velha, dos que (estes são para mim especialmente importantes) não se calam com a História da Arte, etc. Há algum mérito nesta actividade, ainda assim, e a memória é o primeiro deles. Não para recordar todos os factos que se vai ouvindo, que isso fica sempre. Mas saber quem disse e quem ouviu determinada frase, e em que contexto, é fundamental, de modo a poder reproduzi-la na íntegra mais tarde, eventualmente ficar com os louros e ninguém poder associá-la ao seu autor original. É uma corda bamba social por cima de um fosso profundo chamado vergonha de que nunca mais se sai. Mas por outro lado, só é necessário atravessá-la uma vez. A partir de uma grande tirada, de preferência relacionando o Iluminismo escocês com Woody Allen e aproveitar e passar deste para Sidney Bechet, qualquer conversa flui sem necessidade de mais intervenções (convém um mínimo de três pessoas). Atira-se mais uma ou outra atoarda quando o assunto virar para o futebol e vai-se aproveitando as imperiais.

Sem amigos a coisa é mais complicada, mas ainda possível. Sugiro Borges. Primeiro porque se começa por dizer que se leu Borges, um valor na reunião social que vale por si. Segundo, porque é melhor que o melhor conjunto de amigos, e num instante se vai da metáfora na poesia islandesa à análise de paradoxos matemáticos, de histórias de piratas a todos os autores clássicos a fundo. É impagável todo este legado, mas pouco prático dada a quantidade de texto. Por mim, fico-me pelos amigos.

Posto isto, as sessões de pub quiz e do quiz de cascata são potencialmente perigosas. Integrado num grupo, o risco de ser desmascarado dilui-se um pouco, mas é um cutelo sempre presente acima da minha cabeça. Felizmente vão ficando de fora perguntas de jazz, por exemplo (o Pascoalinho ainda me assustou quando se meteu com o BB King, mas ficámo-nos por ali, e ainda bem). O pesadelo de imaginar a minha equipa a olhar para mim confiante vai-me assaltando aqui e ali, e pretendo mantê-lo no estado de sonho até, pelo menos, ao fim do campeonato.

Sérgio Gouveia

p.s. tentarei não voltar a posts tão longos, mas o tema é-me querido.

Comments:
Muito bom.
 
Tb jah levo uns anos de pratica. Axo que 1a das razões p o pessoal jogar quiz é dizer aos amigos que n jogam que o faz, e que eh soh gnte sabia, humilhando-os com as perguntas impossiveis que aparecem (k, na realidade, nunca acerto).
 
huguinho, huguinho, olha que isto é capaz de não ter sido grande ideia. Se os convidados se metem a escrever artigos sobre o quiz mais interessantes que os teus, é um grande abalo na cotação.
 
Pois, pois, venha agora justificar as suas paupérrimas prestações nos últimos jogos com um texto todo elegante e gracioso. Não é por aí que se irá safar, não pense. Ou o seu contributo começa a aumentar rapidamente, ou então não sei. As falinhas mansas não lhe irão salvar a pele se for realmente desmascarado.
 
"huguinho, huguinho, olha que isto é capaz de não ter sido grande ideia. Se os convidados se metem a escrever artigos sobre o quiz mais interessantes que os teus,é um grande abalo na cotação ".

Mas por acaso esse Hugo já escreveu alguma coisa que fosse minimamente interessante sobre o que quer que fosse para este blog?
Temas sofríveis, um português intragável, e uma tendência demasiado grande para a cabeça descair e ficar virada para onde esteve o cordão umbilical, com o seu já característico olhar absorto.

Eu pergunto-me como é que ele surgiu aqui no blog em 1º lugar...
 
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